Alterações na legislação tributária pela MP 1.202/23

O governo federal publicou na última sexta-feira de 2023 (29) a Medida Provisória 1.202/2023 que traz três relevantes mudanças na legislação tributária, a saber: (i) esvaziamento dos benefícios do Perse – Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, (ii) reoneração gradual da folha de salários e (iii) limitação da compensação de valores reconhecidos em decisões judiciais.

No tocante à reoneração da folha e revogação dos benefícios do Perse a MP passa a produzir efeitos em 1º de abril, respeitando a anterioridade nonagesimal. Já em relação à limitação da compensação tributária, a medida provisória produz efeitos imediatamente.

Conforme será verificado adiante, a MP viola direitos adquiridos pelos contribuintes, trazendo total instabilidade e insegurança jurídica.

Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE)

Instituído pela Lei nº 14.148/2021, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) tem como finalidade propiciar a compensação do setor, em decorrência da paralisação de atividades econômicas em face do Covid-19.

O programa, além da possibilidade de negociar as dívidas tributárias com descontos de até 70% sobre o valor total do débito, autoriza a redução a zero por cinco anos das alíquotas para o IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e da COFINS, para o referido setor.

A MP revoga os benefícios do programa a partir de 1º de abril de 2024, para a CSLL, o PIS e a COFINS e a partir de 1º de janeiro de 2025, para o Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ.

Claramente as disposições da MP violam o artigo 178 do CTN que prescreve: “a isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104”.

Isso quer dizer que no caso da isenção concedida por prazo certo e em função de determinadas condições é vedada a revogação para aquelas empresas que já estão usufruindo da isenção.

No caso do Perse, considerando que para usufruir do benefício a legislação trazia certas condições, é certo que o contribuinte tem o direito de ver mantida a regra de incentivos, mesmo se norma posterior revogar o regime em tela. Outrossim, o STJ já se posicionou em casos semelhantes sobre revogação de incentivos por meio de medida provisória, considerando que a o prazo certo e determinado concedido pela lei para utilização do benefício foi desrespeitado.

Em vista disso, entendemos que para aquelas empresas que podem ser prejudicadas com a edição dessa MP, necessário judicializar o tema.

Reoneração da folha de salários

A desoneração da folha ocorre por meio da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), que pode ser recolhida por 17 setores da economia sobre o faturamento, em vez da folha de pagamento, citado benefício vem sendo renovado desde 2011.

A última renovação do benefício se deu pela Lei nº 14.784/23, por meio da qual o Congresso Nacional prorrogou a desoneração até o ano 2027.

A MP revoga a partir de 1º de abril de 2024 os benefícios da desoneração para determinados setores da economia, estabelecendo uma nova sistemática de desoneração, por meio de dois grupos, a saber:

O primeiro grupo inclui 17 atividades, listadas pelo CNAE respectivo. O segundo grupo abrange 25 atividades.

O primeiro grupo iniciará recolhendo a contribuição com alíquota de 10% em 2024 e que vai até 17,5% em 2027 para, então, voltar ao patamar de 20% em 2028. No segundo grupo, a alíquota começa em 15% em 2024 e chega até 18,75% em 2027, também retornando ao patamar de 20% em 2028.

Outro ponto é que as alíquotas reduzidas serão aplicadas somente sobre o salário contribuição do segurado até o valor de 1 salário mínimo, para os salários acima disso, a alíquota será cheia (20%). Será ainda necessária uma contrapartida do contribuinte, que deverá declarar a manutenção da quantidade de empregados igual ou superior a verificada em 1º janeiro de cada ano, sob pena de perder o benefício fiscal.

A desoneração não aplicar-se-á sobre NCM de produtos, mas tão-somente sobre os CNAE elencados nos anexos.

A restrição impactará sobremaneira no planejamento estratégico das empresas para 2024, trazendo aumento da carga tributária, com consequente aumento nos custos de produção e instabilidade para manutenção da mão de obra.

O argumento para judicialização nesse caso será, considerando o posicionamento do Congresso Nacional, que prorrogou o benefício até 2027, que inexiste urgência para edição de medida provisória quanto ao tema.

Limite à compensação

A Medida Provisória 1.202, editada no apagar das luzes de 2023, trouxe também limitações à compensação de créditos reconhecidos em decisões judiciais de valores a partir de R$ 10 milhões.  De acordo com a MP, o limite será graduado em função do valor total do crédito. Ou seja, quanto maior o crédito, maior o limite. A MP é ainda mais temerária pois delega ao Ministro da Fazenda a modulação do exercício do direito de compensação, que certamente avaliará a conveniência da arrecadação.

A matéria trazida pela MP é reservada a lei complementar e viola diversos princípios constitucionais, como os da segurança jurídica, proteção da confiança e vedação ao confisco, além de contrariar jurisprudência sedimentada do STJ sobre a questão, uma vez que decidiu-se em recurso repetitivo que às compensações aplica-se a regra da legislação vigente no momento do ajuizamento da ação que discutiu a espécie tributária ilegal ou constitucional. Nesse contexto, é claro que legislação que trata do tema – Lei n. 9.430/96 – nunca trouxe esse tipo de vedação.

No contexto exposto, a restrição à compensação deverá ser judicializada, considerando que trata-se de um verdadeiro calote contra os contribuintes que detém decisões judiciais transitadas em julgado, pois o crédito gerado nas compensações é fruto de pagamentos indevidos. Outrossim, é possível que não seja possível utilizar todo valor ao longo de 5 anos (prazo dado pela MP para utilização de todo montante).

A restrição também afetará o planejamento estratégico das empresas para 2024, já que deve ser aplicada inclusive aos créditos tributários já existentes.

Por fim, e não menos importante, é certo que não há urgência ou relevância que justifiquem a edição da MP para tratar também dessa matéria.

Em resumo, por tudo o que foi exposto, a MP é ilegal e incompatível com o ordenamento tributário, seja pela ótica legal, constitucional ou jurisprudencial, sendo que para aquelas empresas lesadas pela edição da norma, necessário avaliar a viabilidade de judicialização dos temas.

Estamos à disposição para avaliar os impactos da MP e eventuais medidas judiciais que sejam necessárias.

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